Redução da Base de Cálculo para Clínicas Médicas no Lucro Presumido: Como Economizar Legalmente com Segurança Jurídica

Resumo:

A elevada carga tributária imposta ao setor de saúde no Brasil impõe desafios significativos às clínicas médicas, especialmente àquelas optantes pelo regime do lucro presumido. Diante disso, a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do Tema 217 dos recursos repetitivos, oferece importante alternativa legal: a possibilidade de aplicação da base de cálculo reduzida para o IRPJ e a CSLL em clínicas que prestam serviços de natureza hospitalar. Este artigo aprofunda a análise dos fundamentos jurídicos da tese, seus desdobramentos práticos e a viabilidade da adoção segura mediante ação judicial, ressaltando os benefícios econômicos e fiscais proporcionados a estabelecimentos que comprovem sua compatibilidade funcional com
serviços hospitalares.

Palavras-chave: Direito tributário. Lucro presumido. Clínicas médicas. Serviços hospitalares. IRPJ. CSLL. STJ. Tema 217.

1. Introdução

A tributação dos serviços médicos no Brasil é notoriamente complexa e onerosa. As clínicas médicas optantes pelo regime do lucro presumido frequentemente enfrentam uma carga tributária elevada, com alíquotas padronizadas que não necessariamente refletem a realidade operacional dessas instituições. Em muitos casos, isso acaba comprometendo sua capacidade de investimento, modernização da estrutura e ampliação do atendimento à população.

Diante desse cenário, surge uma importante alternativa legal para reduzir essa carga: a aplicação da base de cálculo reduzida do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para clínicas similares às hospitalares. Tal possibilidade foi firmemente respaldada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), especialmente por meio do julgamento do Recurso Especial nº 1.116.399/BA, que fixou tese no Tema 217 dos recursos repetitivos.

O reconhecimento de que serviços médicos prestados por clínicas com determinadas características funcionais podem ser equiparados aos serviços hospitalares representa uma mudança significativa no entendimento tributário nacional. Isso possibilita a redução legal da base de cálculo de 32% para 8% no IRPJ e para 12% na CSLL, promovendo alívio fiscal e viabilidade econômica para clínicas de diversas especialidades.

Este artigo tem por objetivo esclarecer os fundamentos jurídicos, os critérios técnicos exigidos para sua aplicação, os benefícios econômicos proporcionados pela medida e a necessidade de respaldo judicial para garantir a segurança jurídica da sua adoção. A análise visa contribuir para uma gestão tributária mais eficiente, embasada na legalidade e na jurisprudência consolidada dos tribunais superiores.

2. Fundamento Jurídico: Tema 217 do STJ

Ocorreu um importante julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no qual foi consolidado o entendimento sobre a interpretação da expressão “serviços hospitalares” para fins de incidência de alíquotas reduzidas do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), nos termos da Lei nº 9.249/1995.

No Recurso Especial nº 1.116.399/BA, submetido ao rito dos recursos repetitivos, a Primeira Seção do STJ reconheceu, por maioria, que empresas prestadoras de serviços médicos laboratoriais – ainda que não disponham de estrutura para internação – fazem jus ao benefício fiscal de alíquotas reduzidas (8% para IRPJ e 12% para CSLL), desde que suas atividades estejam objetivamente vinculadas à promoção da saúde.

A Corte afastou a exigência de critérios subjetivos, como a necessidade de estrutura física para internação de pacientes, entendimento até então adotado por decisões anteriores e por normas infralegais da Receita Federal. O acórdão consagrou uma interpretação objetiva do conceito de “serviços hospitalares”, centrada na natureza da atividade prestada e não na forma de organização do contribuinte.

Essa relevante vitória jurídica não apenas assegurou o direito à tributação favorecida, mas também garantiu a possibilidade de compensação dos tributos recolhidos indevidamente em exercícios anteriores, com reflexos econômicos expressivos e duradouros. Vejamos:

“É legítima a equiparação, para fins de base de cálculo do IRPJ e da CSLL no regime do lucro presumido, entre clínicas médicas/laboratórios de análises clínicas e os hospitais equivalente à hospitalar.” (BRASIL, STJ, REsp 1.116.399/BA)

Essa decisão interpretou a expressão “serviços hospitalares” da Lei n.º 9.249/95 de forma ampla e objetiva, afastando exigências não previstas em lei, como a necessidade de internação de pacientes.

3. Requisitos para Aplicação da Base Reduzida

A jurisprudência do STJ estabelece que, para fins de equiparação, o contribuinte deve comprovar que desenvolve atividades complexas, voltadas diretamente à assistência à saúde, com características similares às dos hospitais. Dentre os elementos usualmente considerados pela jurisprudência e pelos peritos judiciais, destacam-se:

3.1. Complexidade da Atividade Médica
Procedimentos realizados pela clínica devem envolver um grau técnico que ultrapasse a consulta médica simples. São exemplos: exames de imagem, análises clínicas, procedimentos invasivos, pequenas cirurgias ambulatoriais e serviços que exijam monitoramento ou suporte especializado.
3.2. Equipe Multidisciplinar e Infraestrutura Técnica
A presença de corpo clínico com registro profissional (CRM), equipe de enfermagem, prontuários eletrônicos, protocolos de atendimento e laudos técnicos contribuem para caracterizar a natureza hospitalar do serviço, mesmo que sem leitos para internação.
3.3. Continuidade no Atendimento à Saúde
Estabelecimentos que ofertam serviços complementares ou integrados de diagnóstico, prevenção e intervenção são mais facilmente enquadráveis no conceito ampliado de hospital adotado pelo STJ.

4. Documentação Necessária

Para instrução adequada da ação judicial, é indispensável reunir documentação robusta que demonstre a compatibilidade funcional da clínica com os serviços hospitalares. São documentos usualmente exigidos:

• Contrato social e CNPJ com descrição das atividades;
• Licenças da vigilância sanitária e do conselho regional de medicina;
• Plantas e croquis da unidade;
• Laudo técnico profissional;
• Relação de profissionais habilitados com respectivos registros;
• Protocolos internos de atendimento e funcionamento;
• Declarações fiscais e contábeis.

5. Judicialização da Tese: É Necessária Ação Judicial?

Embora a jurisprudência esteja consolidada, a Receita Federal ainda exige a aplicação da base de 32% na ausência de decisão judicial. Assim, é recomendável o ajuizamento de ação declaratória, com pedido de tutela de urgência, para:

• Reconhecimento judicial da equiparação;
• Aplicação imediata da base reduzida;
• Restituição dos valores indevidamente pagos nos últimos cinco anos.

6. Considerações Finais

A possibilidade de redução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL para clínicas médicas representa relevante oportunidade de economia legal e segura. A jurisprudência do STJ (Tema 217) autoriza o tratamento tributário favorecido, desde que haja comprovação robusta da compatibilidade funcional da clínica com a atividade hospitalar. A estratégia exige apoio jurídico e técnico especializado, mas pode resultar em expressiva recuperação de valores e alívio fiscal, fortalecendo a saúde financeira das instituições de saúde.

Referências

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.116.399 – BA. Rel. Min. Luiz Fux. Julgado em 22/02/2010. Disponível em: https://www.stj.jus.br. Acesso em: 16 jun. 2025.

BRASIL. Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Dispõe sobre a tributação das pessoas jurídicas, altera a legislação tributária federal e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 27 dez. 1995.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6022: Informação e documentação – Artigo em publicação periódica científica impressa – Apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, 2018.

Por Deise Josiane da Silva

OAB/RS 133.997

 

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